“Nas últimas décadas o interesse pelos artistas da fome diminuiu bastante.
Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero,
hoje isso é completamente impossível."
O Artista da Fome, Kafka
Essa performance é, em essência, um experimento. Pessoal e referencial. Pessoal, pois a possível situação de estar enjaulada, por um tempo determinado, sem me alimentar, exposta a pessoas desconhecidas, me dá medo. Medo do outro e de mim mesma. Esse trabalho é embasado tanto no conto O Artista da Fome, de Kafka, quanto no workshop de Marina Abramovic, Cleaning the House, em que ela ensina a limparmos nosso corpo e nossa mente por meio do jejum e da imobilidade física, ao “(...) não comer por cinco dias, não falar por cinco dias, não realizar nenhuma atividade física ou mental intensa.” (OBRIST, 2012, p. 199).
O objetivo geral é que eu entenda meus limites e entenda minha concentração. Por mais que o ambiente não seja isolado e calmo como aquele em que Abramovic realiza seus workshops, acredito ser possível experimentar o jejum. E não somente seus efeitos, mas estar em situação de enjaulamento como um animal selvagem ou de circo. De estar no desconforto de um espaço que me restringe a liberdade e a privacidade.
Em O Artista da Fome, podemos considerar análises diferentes, sob diversos aspectos e simbologias, desde referências pessoais sobre Kafka como artista, até mesmo análises mais complexas referente às relações entre artista, obra e público e mercado de arte. Além dessas questões simbólicas que se apresentam no conto, temos em foco a própria fome. A fome é associada a duas denotações: a primeira referente ao estado em que se está sem comer, subnutrido; a segunda já refere-se ao desejo, à ambição. O jejuar parece trazer as duas potências ao artista, ao possibilitar a experiência completa e consciente desse processo.
Elida Tessler traz em “O Homem Sem Qualidades, Mesmo” reflexões entre duas obras: “O Homem Sem Qualidades”, de Robert Musil; e “A noiva despida pelos seus celibatários, mesmo”, de Marcel Duchamp. No artigo, Tessler trata das relações tanto contextuais dos artistas e de suas obras, quanto do caráter inacabado das obras. O artigo não entra, aqui, como referência por seu conteúdo, em si, mas como uma referência de possibilidades de pesquisa e metodologia, pois, de forma semelhante a que Tessler fez, o que pretendo com esse trabalho é pesquisar, esmiuçar uma possibilidade, encontrar um caminho dentro (e com base) nos trabalhos de Kafka e Abramovic. Aqui, o que temos em comum é a fome. Diferentes maneiras de se trabalhar com a fome e com o jejum sendo um artista. Um jejum proposital, consciente.